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ENTREVISTA

ENTREVISTA - Sábado, 25/08/2007

Pascual Serrano – Jornalista e ensaista

"A internet pode estar se convertendo em um depósito de esterco onde há alguns diamantes"

Alexandre Haubrich

Bruna Andrade / Jornalismo B

Na internet e nas redes sociais, é claro se pensou o fim do oligopólio midiático que têm os grandes grupos de comunicação, mas não necessariamente isso pode levar a um

Jornalista e ensaísta, o espanhol Pascual Serrano é um dos mais conhecidos e afiados críticos dos grandes meios de comunicação mundiais. Seu ativismo em defesa da democracia na mídia, porém, não o torna esperançoso com a internet: ele é, também, um importante crítico do otimismo exacerbado com o potencial revolucionário das redes digitais. Sem se curvar a quaisquer sensos comuns, o espanhol já publicou diversos livros, sempre em torno da temática dos desmandos da ditadura midiática, das manifestações que dela decorrem e das maneiras de enfrenta-la. Pascual Serrano a enfrenta. Foi um dos fundadores da revista Voces e de um dos mais importantes sites de esquerda logo nos primeiros momentos de popularização da internet: o Rebelión, de onde saiu anos depois. Foi também assessor editorial do canal pluriestatal TeleSur, idealizado pelo ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, e atualmente é membro do conselho de redação das revistas Mundo Obrero, El Otro País, e Pueblos, além de colaborar com diversas publicações, como o Le Monde Diplomatique. Recentemente Pascual Serrano esteve no Brasil, e conversou com oJornalismo B. A íntegra da entrevista está a seguir.
 
Te escutei em uma palestra há pouco mais de um ano, e me pareceste pouco otimista em relação à internet. Como vês isso hoje?
Minha tese, que é a de um dos meus livros, que se chama La Comunicación Jibarizada se baseia em querer advertir de que esse êxtase que temos em relação à internet, às redes sociais, aos novos formatos, tem muitos elementos perniciosos, muitos efeitos secundários, muitas contraindicações. Acredito que na internet  e nas redes sociais, é claro  se pensou o fim do oligopólio midiático que têm os grandes grupos de comunicação, mas não necessariamente isso pode levar a uma melhor informação ou a uma maior democratização. Quer dizer, passamos de uma desinformação dos grandes grupos de comunicação a uma desinformação por um caos na rede. De maneira que o problema que enfrentamos é que a internet pode estar se convertendo em um depósito de esterco onde há alguns diamantes. Há muitos ruídos, não se sabe onde está a verdade, não se sabe quem nos está informando. Esse blogueiro que diz que está na Síria, não sabemos se está na Síria. Esse tweet que conta o que está acontecendo em Mali, não sabemos se está em Mali. Alguém que disse que está narrando o que está acontecendo na Ucrânia, ninguém sabe se o sujeito está na Ucrânia. E isso gera, para mim, uma grande preocupação com o tipo de jornalismo que está sendo criado com as redes sociais. Antes quem nos enganava e nos desinformava eram os grandes meios de comunicação. Agora, nós mesmos podemos estar nos desinformando e nos enganando. Porque também através do ativismo e do compromisso da esquerda podemos participar da distribuição de informações falsas. A direita está utilizando a internet para desinformar, como se viu no Twitter na Venezuela, apresentando imagens de repressão policial que eram falsas. Mas também podíamos fazer isso nós mesmos. Por conta desse caos. Por isso, quero advertir que a tendência que temos de simplificar, de frivolizar tanta informação na internet, tanta espetacularização, tanta urgência, tanta brevidade e tanta gratuidade está criando uma síndrome de buffet livre. Queremos provar tudo, queremos surfar pela informação, e não aprofundamos, não aprofundamos no argumento, na racionalização. E aí quem sai perdendo? Na minha opinião saem perdendo os setores da esquerda, os que queremos mudar o mundo, os que queremos apresentar propostas alternativas, porque a mensagem conservadora, a mensagem tradicional, a mensagem do establishment, não precisa de um argumento, não precisa de um aprofundamento, porque são mensagens mais superficiais, mais fáceis. A mensagem subversiva, a mensagem irreverente, a mensagem que busca outro mundo diferente é uma mensagem mais profunda, mais elaborada, mais reflexiva, que necessita de mais espaço e mais argumentos. E os novos suportes, e as novas linguagens, e os novos formatos vão contra uma mensagem mais elaborada, mais reflexiva, mais profunda.
 
Para mudar isso temos que mudar também o conteúdo que produzimos?
Há que se deixar claro que o meu discurso não é um discurso ludista. O ludismo é um movimento que existiu durante a Revolução Industrial, dos trabalhadores que quebravam as máquinas, estavam contra a mecanização dos espaços de trabalho. Não estou dizendo que temos que destruir os computadores, nada disso. Estou dizendo que temos que tentar evitar cair na simplificação da mensagem. Que nosso Twitter não deve dizer olá, bom dia, está nublado, mas dizer olá, bom dia, lhes apresento um link para uma reportagem sobre a crise. Que nosso Facebook não deve ser um local para esnobismo ou egocentrismo, um espaço onde botamos a foto da comunhão da criança, uma foto do casamento ou dos primos. Não é um lugar onde devemos expor nossa intimidade ou dos nossos filhos, por exemplo. Deve ser um espaço para nos organizarmos politicamente, para nos organizarmos socialmente. Também quero advertir que as novas tendências estão provocando a síndrome do ciberativismo. As pessoas acreditam que sentado em um computador com seu café está fazendo uma revolução. Merda nenhuma. A revolução é uma luta física, o contato físico, as ruas físicas, não o mundo virtual. Há coisas em que a internet pode ajudar, como para convocar uma reunião, mas o contato deve ser físico. E, sobre o conteúdo, temos que trabalhar para que sejam reflexivos, profundos e, sobretudo, verdadeiros e contraditórios. Caso contrário, mesmo com um compromisso político acertado, podemos estar colaborando na desinformação e de alguma maneira estar trabalhando de alguma maneira com o inimigo.
 
Movimentos como o 15M fazem de alguma forma o que estás propondo? Quer dizer, se organizar pela internet mas ir às ruas e produzir algo nas ruas a partir disso?
Não necessariamente. Provavelmente esses movimentos tem a parte positiva, que conseguiram mobilizar muita gente, mas seguem com uma síndrome das redes sociais. Que quer dizer isso: mensagens simples, superficiais, e coesão débil. Se juntam milhares, mas com estruturas de união muito débeis que não se mantêm no tempo, em que não se criam estruturas hierárquicas, não se criam porta-vozes, representantes, e isso não se mantém no tempo. Como as redes sociais. Se colocam frases e se juntam em um pico de paixão, mas nunca se consolidam porque sempre funcionam como a ideia de virtualidade e superficialidade das redes sociais. Eu acho que há um efeito positivo nas redes sociais porque se combinam e saem às ruas, mas também tem um efeito negativo, se faz muita manifestação e não se aprofunda.
 
Se faz muita rede e pouca política?
Claro, se faz muita rede virtual e pouca rede física. No Egito, as pessoas começavam a se manifestar no Twitter e no Facebook. Em algum momento, Mubarak se assusta e derruba Facebook e Twitter. Então as pessoas, que já não podiam se comunicar, saem às ruas. Saem às ruas porque já não sabem se seus companheiros estão bem, então saem às ruas, se organizam, se encontram e fazem uma revolução. Paradoxalmente, a rede foi usada a princípio, e o que desencadeou a revolução foi a iniciativa política de fechar a rede. Porque então as pessoas deixaram os computadores e saíram às ruas.
 
Que papel podem cumprir ainda os meios de comunicação alternativos que não estejam na internet?
Evidentemente, os que não estão na internet devem ingressar na internet ao menos como publicidade, para tornar-se conhecido. É como dizer aqui estamos, mas nossa mensagem tem mais do que 140 caracteres, então tens que deixar o computador, porque são cinco páginas. Aqui estamos, mas você tem que sentar-se porque isso é mais profundo. Aqui estamos, mas tens que dedicar uma hora a isso. A internet é um mecanismo de promoção magnífico para os meios de comunicação que não estão na internet, e creio que deveriam estar. Acredito que um livro ou um documentário de uma hora não têm a rede como o melhor suporte. Mas há muitas simbioses de meios, jornais diários na internet com uma revista semanal profunda em papel, isso é um bom mecanismo de combinar, de sinergia entre o papel tradicional e a internet atual.
 
Como o Rebelión faz esse trabalho?
Bom, eu não estou no Rebelión há vários anos. Sou o fundador, e depois de vários anos eu já abandonei, simplesmente porque veio outra geração. Eu acredito que o modelo do Rebelión está superado e que se deve pensar em outro formato e outro modelo diferente. Quer dizer, os grandes meios estão em crise, estão caindo sua credibilidade, sua economia, seu apoio dos cidadãos, e então eu entendo que temos que criar estruturas coletivas de jornalistas que façam um jornalismo diferente do que fazia o Rebelión. O Rebelión não fazia jornalismo, Rebelión foi criado em um momento concreto para recuperar líderes de opinião, intelectuais importantes que estavam silenciados, para mostrar e denunciar que os grandes meios de comunicação estavam silenciando a coletivos e movimentos sociais, mas o Rebelión não tinha capacidade de fazer jornalismo. Não podemos mandar um jornalista à Ucrânia para ver o que acontece na Ucrânia. Precisamos de um jornalismo com dinheiro e com recursos de pessoal para mandar um jornalista, se não não se faz jornalismo. E o Rebelión não era capaz de fazer isso. Então acredito que já passou a fase do Rebelión. É preciso fazer jornalismo. A internet já se difundiu o suficiente para que os intelectuais de esquerda estejam nela. Não precisamos mais do Rebelión. Agora precisamos organizar estruturas de apoio cidadão a coletivos de jornalistas que tenham dinheiro, que tenham apoio das instituições e que possam mandar um jornalista para a Síria, porque queremos saber o que está acontecendo na Síria e não confiamos na CNN.
 
Na Europa, como está a situação dos grandes meios de comunicação? E dos meios alternativos?
Os grandes meios estão muito preocupados, porque dizem que estão em uma crise que é do jornalismo, mas não é do jornalismo, e sim de suas empresas. Os meios alternativos, na minha opinião, não têm nenhum grande motivo de preocupação. Os grandes meios estão em crise, mas mim isso não preocupa. Dizem que a cada vez têm menos audiência, que vendem pouco, que não têm publicidade. Tudo isso me parece que não nos deve preocupar. Primeiro porque na esquerda nunca tivemos publicidade, então se desaparecerem os anunciantes não é nosso problema. Reclamam que os bancos não lhes emprestam: para a esquerda nunca emprestaram, então também não é nosso problema. Em minha opinião, tomara que se explodam, e temos que aproveitar sua crise para tomar o protagonismo e para que os meios alternativos deixem de ser alternativos e se tornem hegemônicos. Temos que tomar a bastilha do modelo comunicacional. Temos que coloca-los para fora e, com meios coletivos, organizados, cooperativos, democráticos, temos que tomar o panorama majoritário. O problema é que ali vamos ter os governos que vão colocar limites. Os governos vão apoiar os grandes meios e não vão nos ajudar. Diferente do que acontece em muitos países da América Latina. A aposta, então, é pedir aos cidadãos que se comprometam com os novos meios de comunicação, que entendam que jornalismo não é grátis, que precisam apoiar aos jornalistas que criam um jornal, ou às pessoas que fazem uma televisão comunitária, mas já não pode ser um meio de militantes que o fazem em seu tempo livre. Precisa ser profissionalizado. Temos que pagar um tradutor para que nos traduza o que saia na imprensa russa, temos que enviar um jornalista para ver o que está acontecendo nesse momento na guerra na Síria, queremos saber o que está acontecendo na última invasão em Mali. Isso é jornalismo e isso os meios alternativos não conseguem fazer, não têm recursos se eles não vêm de outros lugares: ou de um Estado social que apoie uma comunicação democrática  e isso é evidentemente raro nos países e nos governos europeus , ou os anúncios de um banco, de uma telefônica ou algo assim  e não o vão fazer, e se o fazem é para condicionar a mensagem , ou o cidadão que entenda que precisa apoiar esse projeto porque o jornalismo não é grátis, como o conhecimento não é grátis, a Educação não é grátis
 
Como vês a situação dos meios de comunicação na América Latina, e em especial no Brasil?
Vejo como muito esperançoso o fato de que em países como Equador, Argentina e Venezuela começaram processos de desenvolvimento dos seus meios de comunicação públicos e de novas leis de comunicação que lutem contra a concentração da mídia, que lutem contra a impunidade dos meios privados para mentir, manipular e enganar. Acredito que tudo isso está ajudando a regenerar o panorama midiático, são exemplos de ideias novas. Não digo que os governos europeus devem tomar como exemplo porque não vão tomar nenhum exemplo, porque evidentemente não faz parte de seu ideário. Mas sim os povos devem defender essas propostas e tentar pressionar na Europa para leva-las adiante apoiando políticos alternativos. No caso brasileiro, acredito que não está funcionando à altura de países como Equador, Venezuela e Argentina na hora de avançar na democratização da mídia. Permite-me que te diga que é muito bom que Lula vá a um encontro de blogueiros, mas também seria muito bom que tivesse mudado a situação quando era presidente. Não basta que vá ao encontro. Não adianta Lula ir a encontros assim como ex-presidente. Preferiria que, como presidente, tivesse mudado a ditadura midiática ou ao menos combatido a ditadura midiática com a qual ele mesmo sofreu.
 

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"Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade."
George Orwell