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ENTREVISTA

ENTREVISTA - Sexta, 21/04/2017

MARIA LUCIA FATTORELLI – Auditora aposentada da Receita Federal

"O único setor que ganha com essa contrarreforma da Previdência é o setor financeiro"

Por Alexandre Haubrich

A grande pauta dos trabalhadores no primeiro semestre de 2017 é o combate à reforma da Previdência proposta pelo governo de Michel Temer (PMDB). Enviada ao Congresso ainda no ano passado, a medida carrega uma série de duros ataques ao direito dos trabalhadores à Previdência Social. Para esclarecer o tema, o Jornalismo B entrevistou a auditora aposentada da Receita Federal e coordenadora da associação Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli.
 
Jornalismo B  Quais as principais mudanças propostas por Temer através da PEC da reforma da Previdência?
Maria Lucia Fattorelli  A PEC 287/2016 apresentada por Temer ao Congresso Nacional não é uma reforma; é uma contrarreforma. Ela destrói o direito à aposentadoria para milhões de brasileiros, na medida em que aumenta a idade de fruição desse direito  tanto para homens como para mulheres  para 65 anos de idade. Grande parte da população brasileira, principalmente a população mais pobre, e a que trabalha em condições piores, não chega nem aos sessenta anos. Essa parcela significativa da população irá contribuir a vida toda e não chegará a usufruir de sua aposentadoria, embora tenha pago por ela.  Deixam de existir as aposentadorias especiais para servidores sujeitos a atividades de risco, bem como para professores de ensino infantil, fundamental e médio que se aposentavam com menor tempo de serviço.
 
Sempre que a expectativa de vida aumentar, a idade mínima para a aposentadoria também aumentará, ou seja, o direito à aposentadoria pode ser sucessivamente adiado, a partir de mero indicativo estatístico.  Essa PEC submete ao limite do regime geral (R$5.531,31 em 2017) também os servidores públicos, apesar de historicamente contribuírem de forma diferenciada (sobre o salário bruto e não apenas até o limite do teto do regime geral), e não possuírem FGTS. Acaba de vez com a paridade entre ativos e aposentados ao vincular os reajustes dos regimes próprios de previdência às mesmas regras do regime geral.
 
Adicionalmente, a PEC 287 elimina as atuais regras que combinavam tempo de contribuição e idade (fórmulas 85/95), e passa a exigir que todos os trabalhadores tenham contribuído durante 49 anos para que possam se aposentar com seus proventos integrais, limitado ao teto do regime geral. A PEC 287 também impede que uma pessoa que já recebe sua aposentadoria venha a receber a pensão de seu companheiro falecido, ainda que esse tenha contribuído para isso durante toda a sua vida. Isso é considerado acúmulo de benefícios, apesar de ter havido sempre o acúmulo de contribuições...
 
Uma das alterações mais cruéis é o adiamento, para 70 anos de idade, do direito ao recebimento do benefício assistencial (BPC) por pessoas de renda familiar per capita inferior a ¼ do salario mínimo e que sejam deficientes.
 
A defesa dos interesses financeiros privados é a principal característica dessa PEC 287, na medida em que ela empurra as pessoas para os fundos de previdência privada e insere, no texto constitucional, mecanismos de proteção dos recursos vinculados aos fundos previdenciários.
 
Que paralelo político se pode fazer entre essa proposta e a reforma de 2003?
A PEC 40, encaminhada por Lula ao Congresso Nacional em 2003, e a PEC 287, encaminhada por Temer em 2016 têm um ponto comum, que é submissão aos interesses do mercado financeiro, único beneficiário de ambas contrarreformas. Ambas foram justificadas pelo falso discurso de déficit. A convergência dos regimes de aposentadoria próprios (de servidores públicos estatutários) e geral (de trabalhadores celetistas) também foi um ponto comum.
 
A PEC 40 teve como foco a privatização da previdência dos servidores públicos, mediante a criação da previdência complementar nos moldes exigidos pelo mercado financeiro, ou seja, admitiu unicamente a modalidade de contribuição definida. De acordo com essa modalidade, os servidores sabem quanto terão que contribuir, mas o valor do benefício futuro é uma incógnita e dependerá do mercado, que não tem que dar garantia alguma aos seus contribuintes. Devido ao intenso debate travado pelas entidades representativas de servidores públicos desde 2003, a adesão à previdência complementar tem sido muito reduzida.
 
A PEC 287 vem trazer mais benefícios ainda ao mercado financeiro, permitindo a utilização de recursos tributários para o pagamento de débitos do ente federado junto aos fundos previdenciários.
 
Qual o interesse do governo em aprovar essa reforma? Quem ganha com ela?
O único setor que ganha com essa contrarreforma é o setor financeiro. Ganha muito e de várias formas. A ostensiva propaganda que o governo federal vem fazendo para justificar a PEC 287 tem funcionado como um tremendo incentivo à busca por planos de previdência privada, que precisam continuamente aumentar a sua clientela para cobrir seus elevados custos e lucros.  Essa propaganda governamental configura uma infâmia, sob vários aspectos, pois além de mentir sobre o déficit que não existe e desincentivar a contribuição para a Previdência Social, ainda utiliza recursos públicos de maneira ilegal, ferindo o disposto na Constituição Federal, Art. 37, parágrafo 1o, que estabelece parâmetros claros para a publicidade institucional, limitando-a a peças de caráter educativo, informativo ou de orientação social, o que não se aplica à enganosa propaganda que tem sido veiculada.
 
O mercado financeiro avança seus privilégios com essa reforma, conforme consta de sua exposição de motivos: a proposta prevê a edição de uma lei que estabelecerá regras gerais de organização e funcionamento dos RPPS em âmbito nacional, voltadas a garantir a responsabilidade na gestão previdenciária, criando mecanismos de proteção dos recursos vinculados aos fundos previdenciários. Esses fundos são administrados por instituições financeiras, que realizam aplicações em papéis de alto risco, trazendo prejuízos elevados a esses fundos. Pelo visto, a PEC 287 irá transferir para as contas públicas o ônus de cobrir essas aventuras do mercado financeiro. Trata-se de mecanismo altamente temerário, haja vista a imprevisibilidade quanto ao volume de prejuízos que podem ser gerados por esses fundos. No primeiro semestre de 2016, por exemplo, o prejuízo de fundos de pensão alcançou R$ 84 bilhões.
 
Estamos, portanto, diante de uma grande infâmia: propaganda enganosa paga com dinheiro do trabalhador para incentivar reforma que irá prejudica-lo em seu direito à aposentadoria e, ainda por cima, induzi-lo a investir em fundos privados de risco, e que esses sim, têm acumulado déficits de dezenas de bilhões de reais.
 
Por que o déficit da Previdência é uma farsa? E por que a grande mídia não explica essa conta?
É uma farsa porque ele não existe. A conta feita para mostrar o déficit é uma conta distorcida. A Previdência Social é um dos tripés da Seguridade Social, juntamente com a Saúde e Assistência Social, e foi uma das principais conquistas da Constituição Federal de 1988. Ao mesmo tempo em que os constituintes criaram esse importante tripé, estabeleceram também as fontes de receitas  as contribuições sociais  que são pagas por todos os setores, ou seja: empresas contribuem sobre o lucro (CSLL) e pagam a parte patronal da contribuição sobre a folha de salários; trabalhadores contribuem sobre seus salários; e toda a sociedade contribui por meio da contribuição embutida em tudo o que adquire (Cofins). Além dessas, há contribuições sobre importação de bens e serviços, receitas provenientes de concursos e prognósticos e outras previstas em lei.
 
A seguridade social tem sido altamente superavitária. Nos últimos 6 anos, a sobra de recursos na Seguridade Social foi de R$ 55,1 bilhões em 2010; R$ 76,1 bilhões em 2011; R$ 83,3 bilhões em 2012; R$ 78,2 bilhões em 2013; R$ 53,9 bilhões em 2014, e R$11,2 bilhões em 2015, conforme dados oficiais segregados pela Anfip. O reiterado superávit da Seguridade Social deveria estar fomentando debates sobre a melhoria da Previdência, da Assistência e da Saúde dos brasileiros. Isso não ocorre devido à prioridade para o pagamento da dívida mediante a Desvinculação das Receitas (que foi aumentada para 30% em 2016) desses setores para o cumprimento das metas de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida pública.
 
O falacioso déficit é encontrado quando se compara apenas a arrecadação da folha (deixando de lado todas as demais contribuições sociais) com a totalidade dos gastos com a Previdência, fazendo-se um desmembramento que não tem amparo na Constituição e nem possui lógica, pois são os trabalhadores os maiores contribuintes da Cofins. A simples existência do mecanismo da DRU já comprova que sobram recursos na Seguridade Social. Se faltasse recurso, não haveria nada que desvincular, evidentemente.
 
A segurança de pagamento dos juros da dívida pública é o grande nó da questão?
Sim, o principal nó das finanças públicas brasileiras está na exigência de recursos para o pagamento dos elevados juros sobre essa chamada dívida pública que nunca foi auditada. O pagamento da dívida tem sido a justificativa para as principais medidas de ajuste fiscal, isto é, corte de direitos sociais para destinar recursos para a dívida, tais como a PEC 241/2016 (PEC 55 no Senado); o PLP 257/2016 (PL 54 no Senado); as PEC da DRU 143/2015 e 31/2016; a PEC 287/2016 da contrarreforma da Previdência; a Reforma Administrativa (Lei 13341/2016) e as privatizações (Lei 13334/2016). Todas essas recentes e abrangentes medidas comprovam a centralidade do tema da dívida.
 
O que se poderia obter de uma auditoria cidadã da dívida pública?
A auditoria é uma ferramenta que irá permitir a transparência do processo de endividamento, examinando todos os registros e negociações que envolvem a chamada dívida pública. A transparência é um preceito constitucional que deve reger todo ato público. A auditoria deveria ser uma rotina; é uma questão de respeito com quem está pagando essa elevada conta.A dívida pública brasileira nunca foi auditada, como determina a Constituição Federal, e, conforme denunciado inclusive por Comissões do Congresso Nacional, é repleta de indícios de ilegalidade, ilegitimidade e até fraudes, tais como a suspeita de renúncia à prescrição, diversas transformações de passivos privados em dívidas públicas, além de mecanismos financeiros que geram dívida sem contrapartida alguma ao país ou à sociedade, a exemplo das escandalosas operações de swap cambial realizadas pelo Banco Central para garantir a variação do dólar a sigilosos clientes privilegiados, além das chamadas operações compromissadas, que na prática correspondem à remuneração da sobra de caixa dos bancos.Em 2015, conforme dados do SIAFI, foram destinados à dívida pública 42,43% do Orçamento Geral da União, ou seja, R$ 962.210.391.323,00.
 
A dívida pública tem crescido de forma exponencial, principalmente a interna (DPMFi). Conforme publicado pelo Banco Central, em apenas 11 meses de 2015 (31/01 a 31/12/2015), o estoque de títulos da dívida interna aumentou R$ 732 bilhões, saltando de R$3,204 trilhões para R$3,937 trilhões. O volume de investimentos ficou limitado a apenas R$ 9,6 bilhões em 2015.
 
Em geral, as pessoas acreditam que a dívida pública corresponde ao que aprendemos na teoria, isto é, abrangeria recursos recebidos em decorrência de empréstimos contraídos pelo Estado. Caso tivéssemos recebido a montanha de recursos equivalentes ao vultoso crescimento da dívida verificado em 2015 (R$ 732 bilhões), não estaríamos enfrentando crise alguma. Não recebemos esses recursos. Eles foram aplicados na retroalimentação dos mesmos mecanismos que geraram ainda mais dívida pública e decorrem principalmente da política monetária suicida exercida pelo Banco Central.
 
O Brasil é um país de imensas potencialidades. Somos o país da abundância, sob todos os aspectos, e vivemos em inaceitável cenário de escassez, amargando desigualdades sociais e enorme atraso em nosso desenvolvimento socioeconômico. Diversos pilares sustentam esse cenário de escassez, sendo que um dos principais é o Sistema da Dívida, isto é, a utilização do instrumento do endividamento público à avessas, escoando continuamente grandes volumes de recursos para o setor financeiro privado, ao invés de aportar recursos viabilizadores de investimentos importantes para o país e a sociedade. A realização da auditoria da dívida pública é fundamental para desmascarar esse desvio e modificar esse cenário.
 
Há tendência de aprovação da reforma da Previdência no Congresso? Ou a instabilidade do governo pode dificultar a reforma?
Considerando a conformação do atual Congresso, que vem aprovando com relativa facilidade toda a pauta de interesse do capital, apesar da turbulenta troca de comando do Executivo e de todas as denúncias de corrupção, infelizmente a tendência é aprovarem também a PEC 287. O que pode fazer diferença é o crescimento da mobilização social.
 
Há mobilização suficiente, por parte dos trabalhadores, para romper esse cerco e derrotar a PEC?
Essa mobilização está crescendo a cada dia, com diversos fóruns se organizando em âmbito federal e nos estados. O grande desafio é conciliar todas essas forças e construir um grande movimento nacional contra essa PEC 287, que na prática favorece ainda mais ao setor financeiro, que já é o mais lucrativo do país.
 

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George Orwell