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ENTREVISTA

ENTREVISTA - Segunda, 01/09/2014

MARIA DO CARMO BITTENCOURT – Ativista da "Marcha Mundial das Mulheres"

"Quem não é afiliado ao poder econômico não está representado no Congresso"

Alexandre Haubrich

Alexandre Haubrich/Jornalismo B

Queremos discutir como é que vão ser os partidos, qual o seu papel, as pessoas vão ter que voltar a entender o que é um partido político

Entre os dias 1º e 7 de setembro, acontece em todo o Brasil o plebiscito popular por uma Constituinte Exclusiva que trate da mudança do sistema político brasileiro. Desde 2013 movimentos populares de todo o país se movimentam na campanha do plebiscito, realizando debates sobre o tema. São quase 400 organizações que assinam o plebiscito, com cerca de 800 comitês instalados e a previsão de conseguir pelo menos 10 milhões de votos. O plebiscito popular não possui poder legal, mas pode ser um instrumento de pressão para que o governo chame eleições para uma Assembleia Constituinte que modifique o capítulo da Constituição que trata do sistema político.
O Jornalismo B conversou com Maria do Carmo Bittencourt, que tem estado à frente da Marcha Mundial das Mulheres no Rio Grande do Sul na campanha prévia ao plebiscito. 
 
Qual a importância de construir um plebiscito popular por uma Constituinte Exclusiva nesse momento?
A gente precisa avançar na nossa democracia, precisa continuar no processo de construção da democracia no Brasil, e isso não está acontecendo mais. As coisas estão meio estagnadas, paradas, e a movimentação que os movimentos sociais têm feito nos últimos tempos e não é assim: do ano passado para cá se acordou porque a Dilma falou em reforma política. Não. É bem antiga essa avaliação de que se necessita de uma mudança no Congresso, de que aquela Constituinte de 1988 avançou muito, mas não avançou tudo o que se queria, e de que todos os projetos de lei, todas as tentativas de construir mudanças, na forma como está organizado agora, não estão surtindo efeito. A gente não está conseguindo, é claro isso. Os movimentos sociais têm feito não precisa nem ir a 20 anos atrás, é só pegar os últimos dez anos. Se faz marchas a Brasília quase todos os anos, grandes marchas, para pedir muita coisa, pra pedir muito avanço. Não é que os movimentos sociais não estejam indo e não estejam fazendo. Estão fazendo pressão, se movimentam muito pela via democrática para conseguir eleger alguns representantes  se tem a avaliação de que está cada vez mais difícil eleger representantes alinhados com o movimento social, ou com o pensamento mais próximo do movimento social, e isso é função do poder econômico. E aí o jeito que se coloca de mudar isso é a mudança do sistema político. Mas essa mudança, do jeito que está colocado hoje, com os projetos de reforma política não andando dentro de um Congresso que se beneficia dessa organização partidária que a gente têm hoje, com um tribunal e uma legislação eleitoral, um sistema eleitoral em si que não beneficia escolhas ideológicas, mas sim escolhas individuais, escolhas de personalidades e escolhas baseadas no poder econômico mesmo as pessoas acabam fazendo escolhas por indicação individual, ou por indicação do pastor, ou por indicação de alguém em quem ela confia. E essas pessoas muitas vezes são cabos eleitorais comprados. As pessoas votam em função da propaganda eleitoral, mas ela é feita por um marqueteiro que não vende uma ideia, vende uma imagem. E os partidos de esquerda acabaram fazendo isso também, acabaram entrando em uma venda de imagem. Então, pra mudar tudo isso, é necessária uma reforma política de verdade, e aí se entra na questão de que o Congresso que está aí não vota nem pequenas reformas. O Congresso que está aí não aceita votar financiamento público de campanha, não aceita votar o reordenamento partidário. Então como é que a gente consegue que esse Congresso faça uma reforma política? Qual é a ferramenta que os movimentos populares têm? É o plebiscito popular. E por que se deixa de falar de simples reforma política para falar de mudança no sistema político? É claro que, já que estamos chamando um plebiscito popular, chamamos um plebiscito com uma resposta maior, com uma resposta que não é só arrumar a legislação eleitoral, que é o que está posto na reforma política: arruma, melhora a legislação eleitoral. Enquanto movimento social, eu quero ir pra rua, pedir voto, pedir para as pessoas se manifestarem junto com a gente, por mudança. E aí a mudança no sistema político como um todo. Porque se a gente consegue botar ali 10, 15 milhões de votos em um plebiscito popular que são votos que oficialmente não valem nada, a validade deles é a mobilização popular que está atrás. Isso é muito, e é muito por um pedido de mudança de mais do que um marco legal, uma legislação, é de uma mudança sistema. E aí vamos pra uma Constituinte Exclusiva para discutir tudo o que esteja voltado para o sistema político. Ou seja, vamos discutir como é que vão ser os partidos, qual o papel dos partidos, as pessoas vão ter que voltar a entender o que é um partido político
 
A proposta é para uma Constituinte Exclusiva que mexa unicamente no sistema político?
A ideia é uma Constituinte Exclusiva para mexer naquele capítulo da Constituição que fala do sistema político. Não está nesse momento se aventando uma Constituinte Exclusiva para fazer uma nova Constituição. Não. A gente quer mexer nesse capítulo, porque esse capítulo não foi mexido. Ele vem pra 88 praticamente igual. E aí ele só retira de dentro daquilo alguns artigos que eram artigos claros pra população que aquele era um ordenamento político da ditadura militar. Mas aí dizem ah, mas estamos retornando pra antes. Mas por que eu quero retornar pra década de 50? No final da década de 80 a gente retoma a década de 50, com uma organização política que já não dizia. E hoje diz menos ainda. Hoje há novas formas, novas propostas de participação popular que não estão colocadas na ordem jurídica que temos.
 
De que forma surgiu a ideia? Foi a partir dos protestos de junho?
Eu acho que os protestos de junho deram a força para o movimento social e deram a força para o pessoal da comissão do comitê nacional dos movimentos populares reagir, e mesmo olhar para a própria organização dos movimentos. E aí eu acho interessante o fato de a gente ser chamado de movimentos tradicionais, que são os movimentos que têm bandeira mais claras, movimentos um pouco mais antigos e organizados. A gente é movimento orgânico, e essa organicidade talvez tenha engessado muita gente. Principalmente os movimentos mais urbanos ficaram muito engessados. Os movimentos camponeses também. Com o passar do tempo se voltou muito para construir estruturas necessárias. Os movimentos construíram organizações não-governamentais, construíram pequenas estruturas para se manterem vivos. Isso retirou aquele impulso de formação e de debate com quem não é orgânico no movimento. Todo mundo continua fazendo, mas fazendo menos ou apenas fazendo mais internamente. Aí a gente olha para o movimento camponês: o Movimento Sem-Terra não deixou de fazer invasão, mas conseguiu seus assentamentos, montou suas estruturas, pra, inclusive, debater economicamente com o agronegócio. E aí é óbvio que perde força, porque não é mais aquele grande movimento de massa. Aí a gente deixa de ter inserção para movimentar muito. E começa aquela fala de que os movimentos estão fracos, esvaziados, de que as pessoas não querem mais se sindicalizar bom, sempre teve uma parcela das pessoas que não enxergou nos sindicatos algo representativo, que não quis se sindicalizar, que enxerga o sindicato como um clube, onde vou conseguir meu plano de saúde e algumas outras benesses. Os sindicatos até fazem essa intermediação, mas não deixam de continuar fazendo seu papel de enfrentamento com o patrão. Com essa campanha do plebiscito é um pouco um esforço de começar a retomar alguma coisa que se fazia há um tempo atrás que é voltar não a discutir a minha bandeira específica, mas a começar a discutir bandeiras gerais. É voltar a discutir o Brasil como um todo. É voltar a discutir, por exemplo, a própria inserção no sistema político dos movimentos que acreditam que essa é uma via de enfrentamento e de mudança social.
 
Se fala muito em crise de representação. O caminho do plebiscito também é uma resposta a isso?
Não sei, nunca tinha pensado nisso desse jeito. A crise de representação é uma fala de uma avaliação de que os partidos que estão aí não representam mais as pessoas. Bom, mas até que ponto as pessoas tiveram representação nos partidos que a gente tem hoje? A partir do momento em que a gente olha e os partidos têm muito pouca ou quase nenhuma identificação programática ideológica. Hoje a gente até tem mais. Essa é uma eleição em que a gente pode identificar mais. Onde eu vejo, nos últimos dias, que tem gente abrindo a boca e se identificando como alguém de direita. Acho isso ótimo, porque ele sabe onde está e a gente consegue se colocar à esquerda, porque não existe esquerda se não existe direita. A polarização bota as pessoas em um espectro, e aí tem que se colocar nesse espectro. A ideia de esquerda, mais do que polarizar, coloca os partidos dentro desse espectro e permite que a gente possa enxerga-los ideologicamente. E enxerga-los ideologicamente é enxergar como está organizado o sistema político, onde eu identifico as coisas com que me identifico. E na democracia a gente disputa esses espaços.
 
O Congresso em alguma medida representa o conjunto da sociedade?
Não, ele representa uma elite. Hoje a gente tem um Congresso cada vez mais caro de eleger. Do jeito que o nosso sistema político está organizado, cada vez é mais caro eleger um deputado, um vereador mesmo. Cada vez mais quem consegue se eleger está pagando uma parte para algum nível de poder econômico. E aí, cada vez mais, um grande número de brasileiros que não é afiliado ao poder econômico não está lá representado. As grandes empresas conseguem eleger seus deputados para defenderem seus direitos. Os trabalhadores não conseguem.
 
Há a ideia de que, a partir de todos esses meses de trabalho com a campanha do plebiscito, essas organizações passem a atuar de forma conjunta também em outras pautas?
A ideia é essa. Pelo menos a gente espera que tenha conseguido se aproximar bastante, que em muitos lugares a gente tenha conseguido retirar uma coisa que aconteceu em junho do ano passado, que é o rechaço aos partidos, às bandeiras. Foi legal a coisa de voltar a sair na rua com o cartazinho com a demanda, mas é ruim não ter pauta conjunta, é ruim não ter uma bandeira, não se identificar como. Não foram só os partidos que foram rechaçados. As meninas da Marcha Mundial das Mulheres apanharam na Avenida Paulista quando foram com as bandeiras da Marcha. Os movimentos foram rechaçados. O pessoal da CPT foi rechaçado. O pessoal do MST não foi na rua, não como MST, porque logo de início foram rechaçados com a sua bandeira vermelha. Nos últimos atos que se fez pelo plebiscito está lá, todo mundo junto: partido, candidato, movimento, no mesmo lugar, democraticamente disputando o seu espaço, sua bandeira, mostrando que está em torno de uma mesma história, querendo a mesma coisa nesse momento. E esse processo em que a gente chega agora, em que a CNBB se manifesta em apoio ao plebiscito, em que a OAB se manifesta com a sua proposta de reforma política, um grande abaixo assinado, e se manifesta a favor do plebiscito, e diz que quer somar esforços com o plebiscito e que no dia do plebiscito quer colher assinaturas junto com os votos. A CNBB orienta para estar colhendo voto e assinatura durante o plebiscito. A gente vai ter urna em assentamento, em sindicato, em porta de fábrica, em comércio, em feirinha.
 
Uma boa parte das organizações que está na campanha é ligada, pelo menos historicamente, ao PT ou aos partidos que estão no governo, certo? Isso influencia de alguma forma?
A lista começa com as organizações que estão no Comitê dos Movimentos Populares. E esse comitê traz, basicamente, os chamados movimentos tradicionais que construíram o Partido dos Trabalhadores. E não só o Partido dos Trabalhadores: construíram o leque de partidos de esquerda que a gente têm hoje. Mas a gente têm um monte de organizações ali que não são próximas ao PT, mas que não vão entrar da mesma forma no Brasil inteiro. Tipo, o PSOL não assina enquanto PSOL, uma tendência do PSOL assina o plebiscito e se somou em alguns lugares. Ou seja, alguns dos seus militantes acharam que essa era uma campanha que eles gostariam de levar adiante, e o partido disse façam o que quiserem.
 
Por que não há uma participação, por exemplo, do PSOL e do PSTU como partidos?
O PSTU fez uma manifestação nacional contra o plebiscito, naquele de não, isso aí é mais um golpe do PT para conseguir ganhar as eleições, isso aí é um golpezinho desses pseudo-movimentos sociais aliados ao PT pra fazer de conta que de novo a eleição é popular. Tá, deixa pra lá. A gente perdeu um tempão no início da campanha chamando todo o espectro do que se entendia do centro até a esquerda. A CUT foi chamar as outras centrais, foi chamar sindicato por sindicato, alguns vieram, outros não.
 
As outras centrais não estão participando?
Não com o peso que está a CUT. Os sindicatos estão vindo. Aqui no Rio Grande do Sul a CTB está vindo, está ajudando, e veio com força. Disponibilizou sala por algum tempo, disponibilizou recurso, estiveram junto. Mas, por exemplo, a gente associação de moradores em termos de Brasil é bem variado. Lá no Rio Grande do Norte, quem está levando o plebiscito são as organizações camponesas e o pessoal da agroecologia, muito fortemente. É o movimento social mais fortemente organizado, muito mais do que os sindicatos lá. Tem as especificidades locais de quem está mais organizado e de quem tem essa construção histórica junto a sua militância do quanto é importante a participação política.
 
Essa situação de termos a oposição de esquerda ao governo afastada da campanha do plebiscito traz prejuízo?
Não sei se traz porque, na realidade, eu não vejo esses movimentos de extrema-esquerda mais próximos do conjunto da população do que os movimentos populares. Não estão mais próximos, não têm um discurso mais próximo, não conseguem chegar no grosso das pessoas. A gente pode perder por não ter na rua, junto conosco, colhendo votos e fazendo o debate do plebiscito, um grupo de militantes extremamente organizados. O pessoal de extrema-esquerda é extremamente organizado, é muito orgânico, existem grupos que são muito disciplinados para militar. Tanto que são dez pintas e dez pintas fazem chover. Então é um nível de organicidade que eu invejo, o grau de dedicação que alguns militantes de extrema-esquerda têm, que conseguem manter por anos a fio. Infelizmente não estão com a gente, mas não acho que a campanha vai ser prejudicada por causa disso.
 
Na conjuntura que temos, qual a possibilidade de que a pressão do plebiscito realmente surta efeito e seja chamada uma Constituinte Exclusiva?
Bom, vamos ver o número de votos que a gente vai conseguir e, a partir disso, quais as propostas que estão colocadas de verdade para continuar a mobilização. A gente não enxerga que se encerre em 7 de setembro, vamos contar votinho e deu. Não. Mas a gente não acredita que o Congresso vai chamar. Então achamos que se fizermos bastante bafo e bastante força para cima da Dilma ela se empodera e chama. Foi o que aconteceu nos outros países: o Evo Morales chamou, o Chávez chamou. Chamaram como? Logo depois de eleitos, depois de uma grande comoção popular, com o poder de um grande número de votos na mão.
 
Como foram os debates realizados para construir a campanha?
Começam nacionalmente. Em dezembro se faz o primeiro curso de formadores para os estados, todo mundo que conseguiu, foi. E naquele momento já se inicia um processo. Começa como a gente está fazendo até hoje, com formação, um debate político: o que é reforma política, o que significa deixar de falar em reforma política e falar em sistema, o que é esse capítulo da Constituição, o que muda, o que não muda, quais os processos que estão trancados. Tudo isso sendo falado e sendo mostrado, e um processo que a gente na Marcha faz muito, mas que eu vi que muitos militantes ficaram muito impressionados, de um processo horizontal, onde se dá espaço de fala para a maioria, mesmo que a criatura esteja lá para repetir o que já foi dito três vezes. Não interessa, todos têm espaço de fala, vai para grupo, retorna, um processo sistêmico onde as pessoas conseguem se colocar em formação mesmo.
 
Mesmo que o plebiscito não seja o suficiente para conseguir a Constituinte Exclusiva, traz um processo de politização importante
Com certeza. E mesmo que ele não seja suficiente para conseguir a Constituinte Exclusiva neste momento, se planta uma ideia, se planta uma bandeira que não é uma bandeira pequena. Se planta ela forte, pra que ela continue no horizonte e na pressão por muito tempo. É o início de um processo. Não sei se é um processo de um mês, de três anos ou de mais de dez anos no Brasil. O que fica claro é que vai ter que ser feito.
 

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