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ENTREVISTA

ENTREVISTA - Terça, 11/07/2017

RICARDO ANTUNES — PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E SOCIÓLOGO

RICARDO ANTUNES — “Adentramos a uma era de luta de classes aberta no Brasil”

Alexandre Haubrich

Reprodução

O sociólogo e professor universitário, Ricardo Antunes

Professor da Universidade de Campinas (Unicamp), o sociólogo Ricardo Antunes é o mais importante pesquisador brasileiro do mundo do trabalho e das relações entre capital e trabalho no Brasil. Autor de obras já clássicas da área, como “Adeus ao Trabalho?” e “Os Sentidos do Trabalho”, Antunes concedeu entrevista exclusiva ao Jornalismo B, na qual falou sobre as reformas (ou contrarreformas) trabalhista e da Previdência propostas pelo governo de Michel Temer (PMDB). O professor falou também sobre a situação da luta de classes no Brasil e as possibilidades de defesa dos direitos dos trabalhadores brasileiros, ameaçados crescentemente pelo governo e pelo grande empresariado.


Jornalismo B – Tu tens identificado, já há algum tempo, um processo de reorganização do trabalho de forma mundial, com forte precarização a partir da “acumulação flexível”. A reforma trabalhista proposta por Temer é a consolidação desse processo no Brasil?
Ricardo Antunes – A reforma trabalhista apresentada pelo governo Temer, em verdade uma contrarreforma trabalhista, se insere em uma onda de contrarrevolução burguesa de amplitude global. Há um processo em escala global, hoje, que atinge os países asiáticos, a Europa, a América do Norte, a América do Sul, a África, onde há um processo em que, dada a transformação, nas últimas quatro décadas, da antiga empresa taylorista e fordista em uma empresa flexível – ou, como eu chamo no meu livro “Os Sentidos do Trabalho” em uma empresa liofilizada –, cada vez mais os capitais exigem uma corrosão de todos os direitos do trabalho obtidos ao longo do século XX. Esta corrosão dos direitos do trabalho, que eles chamam eufemisticamente e ideologicamente de “modernização” supõe que uma empresa flexível tenha que ter uma classe trabalhadora completamente vulnerável e flexível para ser contratada, descontratada, chamada quando o trabalho for necessário e demitida quando o trabalho não mais for necessário. As mudanças do governo Temer no Brasil são fundamentalmente três que dizem respeito ao trabalho: a já aprovada e nefasta, escravizante, lei da terceirização geral; a reforma trabalhista com a prevalência do negociado sobre o legislado; e a contrarreforma da Previdência.
A reforma trabalhista desmonta a espinha dorsal da CLT. É como se você fizesse um decreto que diz que a partir de agora fica revogada a CLT e os trabalhadores e as trabalhadoras poderão negociar com as suas empresas se querem jornada de dez, doze, catorze horas para reduzir o desemprego, se querem reduzir o salário pra não perder o emprego…Você pode imaginar que em um contexto de crise econômica profunda, com desemprego oficial de mais de 14 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, se acrescentarmos o subemprego, o emprego por desalento, entre outros exemplos, podemos dobrar esse volume sem muita dificuldade. Isso significa que, em uma situação de profunda crise, os trabalhadores, entre reduzir direitos e preservar o emprego, aceitarão reduzir direitos. Isso significa fazer cair por terra a legislação protetora existente. É isso o que significa o negociado se sobrepor ao legislado. O negociado deveria existir para ampliar direitos, da CLT pra cima. O negociado não poderia existir da CLT pra baixo, porque aí você pode eliminar direitos. É uma contrarreforma que, em nome da modernização, faz com que o trabalho sofra uma regressão para os níveis de exploração, intensificação, desregulamentação, existentes no século XIX, na época da luta da classe trabalhadora nas primeiras décadas da revolução industrial.

Os embates em torno da reforma trabalhista – e a própria reforma – podem ser interpretados como afirmações definitivas de que a centralidade do trabalho mantém-se em vigor e de que a luta de classes está ativa?
Se o trabalho não fosse central, a reforma trabalhista não teria esse impacto que tem, a proposta de terceirização não teria relevância e a reforma da Previdência também seria supérflua. Nem mesmo as teses eurocêntricas, ou do Norte do mundo, que formularam o mito do fim do trabalho, acreditam nele. O trabalho é a questão mais explosiva do século XXI. Junto com a questão ambiental, a destruição da natureza, junto com a luta das mulheres contra a divisão sócio-sexual do trabalho, junto com a luta dos negros, dos imigrantes, dos indígenas…são muitas as clivagens que estão em torno dessas lutas sociais. E o trabalho é central, e isso se evidencia nas reformas. A precarização do trabalho, permitindo a superexploração do trabalho, permitindo a intensificação dos ritmos, o prolongamento da jornada, o negociado se impondo sobre o legislado de modo que se possa sempre reduzir direitos, evidenciam a vigência, a forma ou o que eu chamo dessa nova morfologia do trabalho que nós temos que compreender. Se o trabalho é vital para o capitalismo, e quem impõe essa mudança são as classes dominantes, as classes proprietárias, hegemonizadas, conduzidas pela burguesia financeira, é evidente que a confrontação entre capital e trabalho pode ser mais intensa ou menos intensa, mais aprofundada ou menos aprofundada, mas ela é parte da luta social. As burguesias jamais acreditaram no mito do fim da luta de classes. As burguesias sabem, melhor do que ninguém, que é preciso uma engenharia, uma máquina infernal, um verdadeiro moinho satânico na produção criando mitos: colaboradores, parceiros, empreendedores, trabalho voluntário, salário individual de acordo com a produtividade… são engenharias do capital tentando abrandar o nível de organização coletiva do trabalho, de solidariedade de classe. De modo que a luta de classes nunca esteve fora do cenário, ainda que ela possa ser mais aberta, confrontacionista, ou, por vezes, mascarada com uma aparência de integração que de fato não existe.
A própria greve geral de 28 de abril mostrou como foi importante, porque as questões que estão sendo discutidas tocam pontos vitais da classe trabalhadora: a terceirização, a perda completa de direitos, a Previdência. Isso evidenciou para a classe trabalhadora, em todos os seus estratos – os setores mais organizados sindicalmente, os setores mais próximos do precariado e da juventude, os estudantes que sabem que o seu primeiro emprego já será pautado pelas condições de precariedade – tudo isso evidenciou essa confrontação social ampliada. Era muito bonito ver o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, assim como o MST, dizendo “terceirização não nos interessa”. Porque um trabalhador sem-teto, que vive a luta dos sem-teto, assim como os trabalhadores e trabalhadoras rurais, camponeses do MST, sabem que a terceirização é um flagelo. E o mito do fim da luta de classes é mais uma das tantas misitificações desta era profundamente ideológica e de manipulação que nós estamos vivendo. Por isso, na greve do dia 30 de junho, será muito mais ainda evidenciada essa conflagração entre as classes. É vital que ela seja uma greve forte, porque o descontentamento do país é generalizado frente às reformas do trabalho e frente à tragédia política que nós evidenciamos ao ver o Tribunal Superior Eleitoral, através de quatro dos seus sete juízes, ser defensor das piores práticas. A votação no TSE mostrou que vale a pena fazer caixa 2, vale a pena a corrupção política, vale a pena todo o tipo de manipulação e corrupção para ganhar a eleição, porque o tribunal, depois, não pune. E isso cria mais descontentamento social. Se se articular esse quadro político com a destruição concreta das condições de trabalho, não é difícil percebermos que adentramos a uma era de luta de classes aberta no Brasil, e é o que estamos vivendo exatamente neste momento.

A aprovação da reforma trabalhista é a conta apresentada pelas entidades empresariais ao governo Temer pelo apoio ao golpe? Se é assim, Temer estaria já sendo “rifado” pelo grande empresariado justamente por não conseguir construir base parlamentar estável para aprovar essas reformas?
Acho que vale a pena olhar com um certo cuidado essa pergunta. Uma parte grande do empresariado não pôs o Temer pra fora ainda porque ele, sendo um governo do pântano, e tendo um parlamento também pantanoso – ou, em outras palavras, sendo um governo que se expande na corrupção, profundamente conectada com a corrupção parlamentar – ele consegue fazer uma maioria parlamentar – tem conseguido até agora – mais facilmente do que um outro. Não é fácil para as classes dominantes, para os altos setores do empresariado financeiro, industrial, de agronegócios, empresariado de serviços…não é fácil encontrar um nome no parlamento que teve esse liame do esquema Temer, que é o velho esquema do PMDB. É exatamente por isso que os setores da burguesia ainda não descartaram o Temer. Se puder ser aprovada a reforma trabalhista no Senado e ser encaminhada ao longo dos próximos meses a reforma da Previdência, é isso o que as classes burguesas querem. Isso daria pra elas um tempo, até o ano que vem, 2018, pra tentar uma candidatura que pudesse ter força eleitoral nas eleições diretas.

Onde estaremos daqui a 20 anos, quando acabar a vigência da PEC 55, caso as reformas trabalhista e da Previdência seja aprovada? Quais as perspectivas sociais e políticas para o país?
Eu escrevi uns meses atrás um artigo no Folha de S. Paulo que eu chamei de “De volta a Belíndia”, ou “Rumo a Belíndia”, alguma coisa assim. A ideia da Belíndia era a seguinte: esse país caminha para ser um país com a classe dominante com a riqueza da Bélgica e uma condição das classes trabalhadoras, dos assalariados, na direção da Índia. Essa foi a expressão que foi usada há duas ou três décadas atrás, não é minha a ideia da Belíndia, mas é só pra acentuar que, com essa PEC e com as contrarreformas destruidoras dos direitos sociais e das condições de vida da classe trabalhadora, naturalmente nós caminharemos para uma devastação social que se assemelhará à Índia. A Índia é um país onde existe um bolsão imenso não de pobres, mas de miseráveis, indivíduos completamente à margem de qualquer nível mínimo de dignidade humana e que são tratados…foi naturalizada a miséria e a indigência no seu patamar mais profundo. É pra isso que caminharemos. Por certo, essas medidas podem e devem ser confrontadas e revistas. Esse governo Temer está comprometido desde o seu primeiro dia. É um governo ilegítimo, marcado por um nível de corrupção que não era visto nem na era Collor. A corrupção na era Collor era uma corrupção de tipo selvagem, mas em um patamar que não tinha essa organização que o PMDB tem, essa história de envolvimento na máquina do Estado desde pelo menos o período Sarney, pra fazermos um limite. Então é vital que essas medidas sejam derrogadas, em um processo de eleições livres, diretas, para uma nova Câmara e para o Senado. Essas medidas devem ser pauta de luta. Deve haver a revogação de todas as medidas tomadas por esse parlamento, que é o pior de toda a história republicana brasileira. Não há, na história da República brasileira, nenhum momento em que o parlamento se encontrasse em uma situação tão vilipendiada quanto neste.

Em que estágio está a organização dos trabalhadores brasileiros? Esse será o fiel da balança para a aprovação ou rejeição da reforma trabalhista?
A única possibilidade de obstar as contrarreformas, de derrotar o governo Temer e exigir o cancelamento das contrarreformas feitas na calada da noite, por um parlamente em grande medida envolvido na corrupção, vai ser pelos movimentos dos trabalhadores, das trabalhadoras, os sindicatos, partidos e movimentos sociais. Nós temos uma miríade de movimentos sociais: movimento dos sem-teto, dos sem-terra, das periferias, movimento dos quilombolas, movimento dos trabalhadores contra as barragens…há uma miríade de movimentos sociais muito importantes, sindicatos muito importantes que lutam por um sindicalismo independente, de classe, que não abandonaram a condição de um sindicato autônomo, reivindicativo e político na luta em defesa da classe trabalhadora. E nós temos partidos, também, que não se envolveram na política de conciliação de classes que marcou todo o período do governo Lula e Dilma. Este é o nosso ponto de partida e esses serão os nossos movimentos capazes de buscar, do modo mais unitário possível, o cancelamento dessas medidas que já foram aprovadas, e as travagens e a confrontação a novas medidas destrutivas que o governo Temer está tentando impor, como a reforma trabalhista que se encontra no Senado e a trágica reforma da Previdência, além de outras reformas que podem vir ainda nesse caminho. Esse é o nosso ponto de partida, essa é a orgânica da classe trabalhadora, do mundo do trabalho no Brasil, dos movimentos sociais, e eles são vitais nesse processo.

Fonte: JornalismoB


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